Teatro Experimental do Negro: Uma Experiência Social e Estética. Por Abdias do Nascimento

 


Quando assisti em Lima, a representação de “O Imperador Jones” de O’ Neill, por um branco pintado de negro,compreendi de imediato que o Teatro seria o caminho ideal para o trabalho de valorizar a gente de cor.em companhias do poeta Efrain Tomas Bó, Godofreto Tito Iommi, Juan Raul Young, argentinos e o brasileiro Napoleão Lopes Filho, ainda na capital do Peru, tracei os planos da fundação do Teatro Experimental do Negro, que só alguns anos mais tarde - 1944 - se tornaria realidade. Desde o lançamento das bases do T.E.N., ficaram explícitos seus dois objetivos essenciais: um social e outro artístico.

O Teatro Experimental do Negro constituiu-se, através destes anos de atividades, em matriz de iniciativas e estudos que objetivam, de um lado acelerar a integração dos homens de côr na sociedade bradileira e, de outro lado, examinar o nosso problema do negro a luz de uma sociologia militante que supere os vícios dos academicismos e indique rumos e  soluções práticas. Para isso o T.E.N. patrocinou e convocou uma Conferência Nacional do Negro e o 1° Congresso do Negro Brasileiro, onde os próprios homens de côr ao lado dos estudiosos brancos, discutiram seus problemas frontalmente, superando a fase dos congressos afro-brasileiros  onde ele, o negro, era estudado como uma espécie de fossil ou mumia cultural ou quando menos de um ponto de vista puramente descritivo - literário, antropológico, etnográfico, etc. O Teatro Experimental do Negro inaugurou em nosso país uma nova fase nos estudos sobre o negro, partindo desta verdade histórica elementar: o negro deixou a sensação completamente despreparo para vida livre de cidadão. Não tinha preparo psicológico, nem econômico, nem profissional, ainda menos cultural. A visão romântica ou idealista dos governos republicanos responde pelo abandono de toda uma população que adquiria uma liberdade jurídica, quando completamente analfabeta, carecia das mais primárias condições para o exercício dos direitos e obrigações da vida livre. O inegável avanço do 13 de maio de 1888, foi mais simbólico do que prático, e as elites brasileiras não souberam ou não quiseram compreender a responsabilidade que lhes tocava na solução de todo um complexo psicológico-social elaborado durante cerca de quatro séculos de dominação do homem branco sobre o negro. Preferiram a solução do avestruz: enterraram a cabeça na areia e ignoraram a questão negra. “ No Brasil não há preconceito de cor e nem problema do negro”, foi o “slogan” manipulado para tranquilizar a consciência nacional e que serviu também para sufocar as tentativas de uns poucos negros esclarecidos nos seus esforços de melhorar as condições de vida ds sua gente.

A preliminar  fundação do Teatro Experimental do Negro foi a compreensão de que o processo de libertação da massa dos homens de côr do seu estado de marginalismo social devia se assentar na educação e na criação de condições sociais e econômicas para que esta educação para a vida livre se efetivasse.

Partimos do marco zero: organizamos inicialmente cursos de alfabetização, onde operários, empregadas doméstica, pequenos funcionários públicos, etc, se reuniam a noite, depois so trabalho diário, para aprender a ler e escrever. Usando o palco como tática desse processo de educação da gente de côr, nossa experiência coroou-se de pleno êxito. Depois de pouco mais de seis meses de aula sob a orientação eficiente do professor Ironides Rodrigues, em salas cedidas pela União Nacional dos Estudantes, no Rio de Janeiro, vários elementos estavam em condição de pisar o palco e representar dramas de responsabilidade de um Eugene⁸ O’ Neill, por exemplo. Hoje quando tantos anos distantes daquela jornada inicial, alguns  se destacaram tanto na vida artística brasileira - como é o caso de Ruth de Souza e outros componentes do Teatro Folclorico brasileiro atualmente excursionando na Europa - que mal se recordam que naqueles tempos revezavam o fogão, a vassoura e um texto dramático. Infelizmente uma obra desta envergadura não  pode subsistir apenas na base do heroísmo. Necessita ajuda, compreensão,estímulo. Faltou ao Teatro Experimental do Negro a ajuda necessária a manutenção de seus cursos e esses, com grande prejuízo para coletividade, foram fechados. Não tínhamos local para ensaio, Um teto que abrigasse as atividades do T.E.N. espraiados por vários setores. Então realizamos ensaios em plena via pública ou sob colunas do Ministério da Educação. Lutando contra as adversidades, mesmo assim,conseguimos apresentar as peças de O’ Neill “ O Imperador Jones”, “Todos os Filhos de Deus tem Azas” “ O Moleque Sonhador”, “Onde Está Marcada a Cruz”. Representamos “O Filho Pródigo” de Lucio Cardoso, “Filhos de Santo” de José de Moraes Pinto, “Arauanda” de Joaquim Ribeiro, trechos de “Otelo”de Shakespeare, fazendo “Desdêmona” a admirável Cacilda Becker. Recitais de Castro Alves e Cruz e Souza e ainda um espetáculo cantado e dançado inspirado em temas populares e folclóricos intitulado “Rapsodia Negra”. Aliás, já que ciramos Cacilda é justo citar o nome de outros que contribuíram para nossas realizações como Luiza Barreto Leite, Sadv Cabral, Wolf Harmisch Jr, Paschoal Carlos Magno, José Medeiros, Santa Rosa, Enrico Bianco, Augusto Frederico Shimdt, Clóvis Graciano, Andrade Muricil, Aldo Cavet e muitos outros. Do apoio vindo do estrangeiro sobressai o de Eugene O'Neill e Albert Camus, ambos abrindo mão dos direitos autorais de “Imperador Jones” e “Caligula” e solidarizando-se incondicionalmente com os propósitos do T.E.N. desde a sua fundação o Teatro Experimental do Negro tem se preocupado com a elevação do nível dramático e intelectual dos espetáculos teatrais  brasileiros. Daí o cuidado com a escolha do seu repertório. Mas acima de tudo o T.E.N. se preocupa com a criação de uma literatura dramática bem brasileira, inspirando autores no caminho de uma dramaturgia negra. Peças como “Aruanda”, “Auto da Noiva” de Rosário Fusco, “Sortilégio” de minha autoria, “ O Logro” “Laio se Matou” “O Cavalo e o Santo” todas de Augusto Boal, abrem um caminho inédito em nossa literatura dramática, com aproveitamento dos elementos mágicos das crenças negras, da sua profunda vivência ingênua em obras teatrais de envergadura dramática. O negro abandona de agora em diante o lugar subalterno que sempre ocupou na cena indígena - papeis de criado, negrinhos levando cascudos, pai João Banzeiro - pra se tornar herói. Este é realmente um evento de maior importância sociológica e artística.

Entres os intérpretes formados pelo T.E.N. citamos Aguinaldo Camargo, famoso por sua interpretação de “O Imperador Jones”, Lea Garcia, ainda no início de sua carreira mas já demonstrando um temperamento e uma vocação excepcional para o drama, Claudiano Filho, José Maria Monteiro, Marcilio  Faria, Aparecida Rodrigues, Antônio Barbosa, Natalino Dionísio, José Ezio, etc. Além dos cursos de alfabetização já mencionados, o T.E.N. manteve cursos de iniciação cultural de Ballet para adultos e crianças, o Instituto Nacional do Negro, órgão de pesquisa sob orientação do professor Guerreiro Ramos, um seminário de grupoterapia com experiência de sociodrama e psicodrama, tendo em vista o melhoramento de relações de classes e entre pretos e brancos, as soluções dos problemas individuais típicos do negro brasileiro, a eliminação de tensões emocionais negativas em pessoas e grupos provenientes da diferença de raça e de cor epidermica.

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